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Auto Terror, uma história de amor


Maria Francisca, era uma jovem jornalista de um canal de televisão muito sensacionalista. A sua função na redação era descobrir notícias chocantes que dessem audiências elevadas. Tudo o que tivesse sangue a jorros, era meio caminho andado para o seu editor ficar feliz da vida.

No entanto, Maria Francisca, já estava farta de tantas reportagens sobre assaltos à mão armada, sequestros, rixas em discotecas e afins. O que ela queria mesmo fazer era notícias sobre o mundo da alta costura. No seu íntimo sonhava ser uma super influencer. Ir à semana da moda de Nova York, Paris ou Milão e escrever artigos sobre as tendências que marcavam a atualidade.

Numa sexta-feira à noite a jovem repórter sai de casa para um jantar com as suas melhores amigas. Ao passar por um dos cruzamentos mais movimentados da cidade, sofre um grave acidente do qual por milagre sai ilesa, mas o seu carro vai diretamente para a sucata. Nicolau, um homem na casa dos cinquenta e poucos anos vinha em excesso de velocidade. Estava a falar ao telemóvel e nem reparou que o sinal estava vermelho. Bateu na viatura de Maria Francisca, que voou literalmente uns bons metros. Gera-se uma confusão tremenda. Alguém liga para a emergência medica, chegam os bombeiros, é feito o desencarceramento. Mas Maria Francisca sai a cambalear do carro e sem um único arranhão.

- Milagre! – grita Nicolau levando as mãos à cabeça
- Sua besta!! – grita Maria Francisca
- Peço as minhas desculpas. Vamos já acionar o seguro para não ficar mais prejudicada.
- Era o mínimo dos mínimos que podia fazer.
- Assumo as minhas culpas e prometo que vou recompensá-la por este momento, tão desagradável.
- E agora, o que eu vou fazer da minha vida sem carro?
- Não se preocupe. Vou ajudá-la a resolver esta situação minimizando ao máximo os danos. Pode ter a certeza que não vai ficar prejudicada.

Neste momento, Nicolau, entrega um cartão a Maria Francisca numa altura em que esta, que já estava mais preocupada em chamar um uber do que em ouvir o que Nicolau dizia.
Passou-se uma semana e não havia notícias da seguradora em relação à substituição do carro… A jovem que era tratada pelas amigas mais próximas por Mary, já estava a passar-se da marmita com a falta do seu “boguinhas”.

Quando vai à sua mala buscar o telemóvel, para publicar mais uma storie. Encontra o cartão que Nicolau tinha entregue no dia do acidente.
Nicolau Freitas, Auto Terror. Comércio e reparação automóvel.
Não é tarde nem é cedo. Mary decide ligar para Nicolau.

- Estou, boa tarde é o Senhor Nicolau?
- Sim, é o próprio. Quem fala?
- É a Maria Francisca.
- Quem?
- A rapariga a quem você destruiu o carro na semana passada.
- Ah, desculpe não estava a reconhecê-la.
- Não há problema. Você ficou de me ajudar na situação do carro e o meu seguro ainda não deu notícias.
- Fique descansada. Sou proprietário de um stand de automóveis nos arredores da cidade. Quer passar por cá amanhã? Eu empresto uma viatura enquanto o seguro não resolve a questão do acidente?
- Muito obrigada pela sua gentileza. Então está combinado. Amanhã vou aí ter consigo.
- Ok. Cá a espero.
- Até amanhã.
- Adeus. Até amanhã.

Quando desligou o telefone, Maria Francisca pensou para os seus botões «é desta, que vou ter um descapotável», ainda para mais o verão tinha-se prolongado e ninguém dava pela chegada do outono.
Mas Maria Francisca, não foi a única a ter pensamentos pecaminosos…
Nicolau, que já estava na andropausa e vinha de dois divórcios que não tinham acabado da melhor maneira… Pensou para si mesmo «se emprestar um bom carro, será que ela aceita um convite para ir jantar?»
No dia seguinte, Maria Francisca, foi ter ao stand de Nicolau, que disse para escolher qualquer carro que estivesse disponível. A jovem não gostou de nenhum em especial…

- Já vi os carros mas são todos comerciais ou familiares sem graça nenhuma. Têm pouco ou nada, haver comigo.
- Qual é o tipo de carro que a Francisca está à procura?
- Olhe, gostava mesmo era de um descapotável. Nunca tive e adorava ter um.
- E gosta de carros potentes?
- Adoro!
- Se aceitar almoçar comigo, prometo arranjar um carro que você vai adorar. Vai ser uma experiência de condução inesquecível.
- Olhe, como já são quase 13 horas, e já estou com fome aceito de bom agrado o seu convite.

Nicolau ficou todo contente e levou Maria Francisca a um restaurante de comida caseira, perto do seu stand. No decorrer do almoço a conversa fluiu de forma natural e espontânea.

- Sabe uma coisa Francisca. A sua cara é me familiar, mas não estou a ver de onde?
- O Nicolau vê muita televisão?
- Ah. Já sei de onde a conheço! Você é jornalista daquele canal de televisão por cabo que é especialista em exagerar a realidade. Passam o noticiário todo a dar crimes!
- Vê como o você chegou lá.
- Se me permite um pequeno atrevimento. Você é a cara mais bonita daquele canal de televisão.
- Muito obrigado.
- Obrigado não, é apenas a constatação da realidade.
- E o Nicolau, sempre esteve ligado ao comércio automóvel?
- Não. O meu negócio era o entretenimento.
- Verdade?
- Sim. Durante muitos anos fui proprietário da Casa do Terror, que existia na Feira Popular da capital.
- E como é que vai parar ao mundo das quatro rodas? São áreas completamente distintas.
- Sabe, eu sempre gostei muito de carros e quando a câmara municipal decidiu fechar a Feira Popular, agarrei no dinheiro do fundo do desemprego e abri este pequeno stand de automóveis aqui na zona saloia.
- Então é por isso, que o seu stand se chama Auto Terror.
- Isso mesmo, é uma homenagem ao negócio que tive durante duas décadas.

A comida chega à mesa. Francisca e Nicolau vão falando um pouco das suas vidas. A jovem conta que é de uma família de classe média. O pai é engenheiro e a mãe dona de casa. Tem um meio-irmão mais velho que vive no estrangeiro, fruto do primeiro casamento do seu pai. Diz também que vive sozinha, depois de ter vivido dois anos com um rapaz da sua idade. Nicolau fala dos seus casamentos e dos seus filhos. Tem dois e orgulha-se que um deles, está quase a entrar na faculdade.

No fim do almoço, que Nicolau fez questão de oferecer a Francisca, voltam para o stand de automóveis. Áí, surge a grande surpresa que deixa a jovem literalmente boquiaberta.

Um Ferrari descapotável, vermelho brilhante que estava à disposição da jovem jornalista.

- Este é o meu carro de fim-de-semana. Durante muitos anos, foi o carro dos meus sonhos e um dia consegui tê-lo. Já tem quinze anos, mas acredite que é uma máquina imparável. Enquanto a seguradora não resolver a situação do seu carro, tem este belo Ferrari à sua disposição.
- Não acredito. Não posso aceitar!
- Aceite de bom agrado este empréstimo. Tenho a certeza que vai adorar conduzir esta bomba.
- Já que o Nicolau está a insistir muito não vou dizer que não…
Maria Francisca sai do stand, com os seus cabelos ao vento e a ouvir o som maravilhoso que saia dos escapes do seu “cavallino rampante”.

Por onde passava ninguém ficava indiferente e o ego da jovem jornalista estava no auge. Entretanto, a seguradora resolve a questão do acidente e Francisca recebe um carro idêntico ao veículo que possuía anteriormente.
Mas Mary, queria lá saber do carro da seguradora. Ela queria era andar de Ferrari. As suas amigas estavam cheias de inveja e os colegas da redação, principalmente os homens estavam caidinhos aos seus pés.

Por sua vez, Nicolau e Francisca estavam diariamente a trocar mensagens. Havia no ar uma certa atração. A repórter que não estava com muita vontade de devolver o Ferrari a Nicolau. Decidiu convidar o antigo proprietário da Casa do Terror e atual proprietário do stand Auto Terror, para um jantar romântico na cidade.

Antes de ir ter com Nicolau para irem jantar, a jovem passou num posto de combustível, para atestar a máquina de Maranello. O funcionário da bomba de gasolina avisou Francisca para um fumo branco que estava a sair do escape do Ferrari.
- Menina, cuidado que o seu carro está a largar um fumo estranho do escape.
- Deixe estar. Não se preocupe. Não é nada de importante.

Francisca pensou para si mesmo, este homem nunca andou num carro destes e agora está a dar lições de mecânica. Francamente…

O jantar com Nicolau correu às mil maravilhas. Sorrisos para aqui, sorrisos para acolá. Nicolau não parava de olhar para o decote e para a minissaia de Francisca. A jovem retribuía com um olhar sedutor. Nisto, Nicolau, põe a mão nas pernas da jovem jornalista e surgem uns beijinhos marotos.

O cinquentão, decide arriscar e convida Francisca a ir passar a noite com ele a um hotel de charme que havia em Vila dos Sonhos. Um local que era conhecido pelas suas praias maravilhosas. Inicialmente, a jovem mostra-se um bocadinho relutante, afinal de contas nunca tinha tido relações sexuais, com um homem com uma diferença etária muito maior do que a sua. O dono do Ferrari, convence a jovem prometendo uma prestação melhor do que a máquina italiana.

Francisca pensa para si «na pior das hipóteses, toma o comprimido azul e liga o turbo por 15 minutos».

O caminho entre o restaurante e o hotel junto à praia, demorava cerca de meia hora por autoestrada. Nicolau já estava com os calores e diz a Francisca
- Acelera boneca que já não aguento mais… Estou a rebentar.

Passado pouco tempo, o canal de televisão onde Maria Francisca trabalhava. Abriu o telejornal da meia noite da seguinte forma:

“Notícia de última hora, um veículo de alta cilindrada explodiu na autoestrada a caminho de Vila dos Sonhos. Os dois ocupantes da viatura ficaram totalmente carbonizados…”

Auto Terror, uma história de amor!

FIM

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